As Campeãs Mundiais Femininas: Xie Jun
O xadrez na China tem uma história curiosa: o país praticamente não tinha tradição nesse esporte. Alekhine jogou algumas simultâneas em 1933 por lá, mas nada além disso. Foi apenas em 1962 que a Associação de Xadrez da China foi criada, e em 1966, o xadrez chegou a ser proibido até 1974.
Ou seja, a China estava muito atrás nesse esporte, até mesmo em comparação com o Brasil. Mas, em 1976, eles iniciaram o chamado "Projeto Grande Dragão", como ficou conhecido o esforço do governo para desenvolver o xadrez no país. A ideia partiu do empresário Tan Chin Nam, que, por meio de uma série de medidas, tinha como objetivo levar a China à elite do esporte. Mas agora, vamos falar da nossa campeã.
Infância e Início no Xadrez
Xie Jun nasceu em 30 de outubro de 1970, em Baoding, China. Ela aprendeu o xadrez chinês aos 6 anos e, aos 10, já era campeã de Pequim nessa modalidade. A pedido das autoridades, ela logo começou a jogar o xadrez ocidental — o Projeto Grande Dragão em ação.
Sua primeira grande performance veio em 1988. Xie Jun sequer tinha rating FIDE; aos 18 anos, ainda não havia jogado torneios oficiais suficientes para isso. Mesmo assim, conquistou um impressionante segundo lugar no Campeonato Mundial Júnior.
Campeonato Mundial
Aos 20 anos, Xie Jun jogou o Torneio de Candidatas e o venceu, superando as favoritas soviéticas e garantindo o direito de desafiar Maia Chiburdanidze pelo título mundial em 1991.
Maia era amplamente favorita: mantinha o título há 13 anos, era uma jogadora do top 50 mundial e tinha vasta experiência em grandes torneios. Já Xie Jun, embora talentosa, era inexperiente. O match, disputado nas Filipinas, foi acirrado. Após 16 partidas, Xie Jun venceu por 8,5 a 6,5. A vitória transformou para sempre o xadrez na China. Jun se tornou uma celebridade, o apoio estatal ao esporte cresceu significativamente, e um país sem tradição no xadrez derrotou a hegemonia soviética.
Grande Mestre e Outros Sucessos
Em 1990, a China tinha apenas um Grande Mestre, Ye Rongguang. Xie Jun estava a caminho de se tornar a segunda do país — e conseguiu. Em 1993, ela completou sua última norma e se tornou Grande Mestre, sendo a primeira mulher da Ásia a alcançar esse título.
Em 1992, venceu o torneio de Pequim com uma performance de 2699, com a presença de vários jogadores fortes como o Filipino Eugenio Torre.
Em 2002, venceu um match contra Nigel Short que tinha 2682 de rating.
Perda do Título
Em 1996, uma nova desafiante ao título surgiu, chamada Susan Polgar, que após derrotar Maia Chiburdanidze por 5,5 a 1,5 na final do Torneio de Candidatas, era uma força quase imparável, e derrotou Xie Jun no Mundial com relativa facilidade com o placar de 8,5 a 4,5.
Recuperação do Título
Devido a problemas pessoais (que abordaremos no artigo sobre Susan), ela não defendeu seu título mundial. A FIDE então considerou que Susan não era mais a campeã mundial e designou Alisa Galliamova para disputar o título contra Xie Jun.
A chinesa recuperou a coroa ao vencer por 8,5 a 6,5. Posteriormente, Xie Jun defendeu seu título novamente, mas desta vez a FIDE mudou as regras: o campeonato seria disputado em um sistema eliminatório com 64 jogadoras, e a campeã atual, Xie Jun, não teria nenhuma vantagem em relação às adversárias. Mesmo assim, ela derrotou sua compatriota Qin Kanying na final por 2½ a 1½.
Perda Definitiva do Título
No ano seguinte, a FIDE organizou mais um Campeonato Mundial (sim, as coisas estavam um pouco confusas nessa época), e Xie Jun optou por não defender seu título, abrindo mão da coroa sem ser derrotada por ninguém. Desta vez, a chinesa Zhu Chen conquistou o título.
Legado
O legado de Xie Jun é imenso. Ela popularizou o xadrez em um país que, até então, não tinha tradição no esporte. O Projeto Grande Dragão estava em pleno vapor, formando 30 grandes mestres apenas entre 1990 e 2010. Xie Jun se aposentou do xadrez competitivo em 2007 para liderar uma agência na região de Pequim, dedicada ao desenvolvimento de talentos no xadrez e no Go. Atualmente, ela é presidente da Associação Chinesa de Xadrez. Em 2019, foi incluída no Hall da Fama Mundial do Xadrez.