Como Seria o Campeonato de Xadrez dos Compositores?

Como Seria o Campeonato de Xadrez dos Compositores?

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O que é melhor: um espetáculo musical ou um campeonato de xadrez? Para quem respondeu as duas coisas juntas, temos a satisfação de anunciar o Primeiro Campeonato Internacional de Xadrez de Compositores, em andamento neste exato momento. É fantástico que os maiores compositores da história, e alguns outros compositores também, se encontrem reunidos para esquecer um pouco a música (a não ser quando uma peça caiu no chão ao lado de Mozart, e este gritou: "fá sustenido!", exibindo seu ouvido absoluto) e relaxar jogando xadrez uns com os outros.

Gostaríamos de elogiar a atuação impecável da arbitragem, liderada por François-André Danican Philidor. Com seu profundo conhecimento tanto sobre música quanto sobre xadrez, podemos garantir que pelo menos alguém nesse campeonato sabe algo sobre xadrez...

Confira abaixo um resumo das principais partidas da primeira rodada!

  1. John Cage vs. Franz Liszt (1-0)
  2. Antonio Salieri vs. W. A. Mozart (1-0)
  3. Luigi Russolo vs. J. S. Bach (0-1)

1. John Cage vs. Franz Liszt (1-0)

Soubemos que Liszt estava ansioso nos dias que antecederam sua partida. O prodígio húngaro estava ardendo para provar que seu virtuosismo não se limita à música, mas também se estende ao xadrez. Para sua decepção, chegado o momento tão aguardado do jogo, seu adversário norte-americano John Cage, com as brancas, sentou-se imóvel na frente do tabuleiro, e assim permaneceu por vários minutos. Após 4 minutos e 33 segundos (nós contamos), Liszt, sem aguentar mais esperar, levantou-se e foi embora, obrigando o árbitro a lhe dar derrota na partida.

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Franz Liszt foi compositor e arranjador para piano, autor de peças de extrema sofisticação técnica, explorando temas folclóricos da cultura húngara, e de poemas sinfônicos, compostos com base em obras da literatura, que levavam o público ao delírio e fizeram dele o primeiro superstar da música.


John Cage foi um compositor experimental que desafiou as definições tradicionais de música. Sua obra mais famosa, 4'33" (1952), consiste em quatro minutos e trinta e três segundos em que o intérprete permanece sem tocar uma única nota, convidando o público a perceber os sons do ambiente como parte da composição. Ao sentar-se ao piano em silêncio, Cage transformou a ausência de notas em uma experiência sonora e filosófica, questionando os limites entre som, silêncio e música.

2. Antonio Salieri vs. W. A. Mozart (1-0)

Salieri estava profundamente curioso para descobrir se a habilidade de Mozart como enxadrista estava à altura de sua habilidade musical. Ele ficou incomodado com o atraso de seu adversário, e ainda mais quando Mozart finalmente chegou, com sua irreverência assobiante. Mesmo com uma grande desvantagem no relógio, Mozart deu um trabalho imenso à Salieri, chegando a ficar numa posição vencedora, até que sua seta caiu. Após os apertos de mão finais, Mozart parecia pouco triste, e até irônico, com a derrota, enquanto Salieri, embora com o ponto embolsado, exibia uma cara de poucos amigos.

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Na imagem: Mozart (centro) ao lado de sua irmã e seu pai, com o retrato da mãe atrás.

Mozart não descobriu nada de novo na teoria musical, mas entre suas obras estão várias das mais admiradas da história da música ocidental. Até hoje um dos exemplos mais famosos de criança superdotada, tendo começado aulas de cravo com seu pai, Leopold, com poucos anos, seguindo o exemplo de sua irmã mais velha, Maria Anna. Pouco depois, o pequeno Mozart começou a compor.

Os dois irmãos e o pai deixaram a mãe, Anna Maria, em Salzburgo (Áustria) e viajaram por vários países, sendo recebidos nos palácios de várias famílias nobres, para quem se apresentaram. As viagens incluíram a Alemanha, França, Inglaterra e Países Baixos. Em Londres, Mozart conheceu Johann Christian Bach, filho de Johann Sebastian, que se tornou um modelo para ele. Na Itália, teve aulas com o padre Giovanni Battista Martini (1706-1784). Também foi recebido pelo papa Clemente XIV e, depois de ouvir duas vezes a uma apresentação de uma versão cantada do Salmo 51 composta por Gregorio Allegri no século XVII, o Miserere (cuja partitura era guardada sob segredo da Igreja, com pena de excomunhão para quem a revelasse), Mozart decorou e transcreveu a obra. Em vez de punido, foi condecorado pelo papa com o título de cavaleiro da Ordem da Espora de Ouro, concedido a leigos católicos que tenham alcançado grandes realizações em suas áreas.

Em 1772, com 15 anos, Mozart foi nomeado mestre de capela do príncipe-arcebispo de Salzburgo, Hieronymus von Colloredo. Este se mostrou bem mais intransigente do que o príncipe-arcebispo anterior, Sigismund von Schrattenbach, que permitira ao pai de Maria Anna e de Wolfgang se ausentar de seu trabalho para apresentar os filhos pela Europa. Antes tratado como um milagre de Deus, Wolfgang passou a ser humilhado por Colloredo, que queria controlá-lo, inclusive em relação a como ele devia compor.

Insatisfeito, em 1781, Mozart pediu demissão para viver como freelancer, algo impensável para a época. Mozart almejou uma liberdade que apenas a geração seguinte à dele — a geração de Beethoven — teria. Como consequência, Mozart viveu o resto de sua vida instável financeiramente.

Entre suas últimas obras, destacam-se: As Bodas de Fígaro, uma ópera contendo críticas sociais; A Flauta Mágica, ópera composta sob encomenda de um diretor de teatro e colega de loja maçônica de Mozart, repleta de alusões ao simbolismo maçônico; e a derradeira obra de Mozart, que ele não conseguiu finalizar por acabar morrendo antes, o Réquiem, uma missa fúnebre encomendada por um cliente misterioso, que hoje se sabe ter sido um nobre chamado Franz von Walsegg, que costumava encomendar peças anonimamente para apresentá-las como se fossem suas. O pedido deixou Mozart profundamente chocado, acreditando ser um anúncio, vindo do além, de sua morte iminente, o que acabou acontecendo poucos dias depois. Ele deixou sua esposa, Constanze, e dois filhos, que tiveram pouco destaque no mundo musical e morreram sem descendentes. Quanto ao Réquiem, ele foi completado por um discípulo de Mozart, chamado Franz Xaver Sussmayr.


Existe uma lenda de que Antonio Salieri envenenou Mozart por inveja. Antonio Salieri foi um compositor italiano que, assim como Mozart, trabalhou em Viena na corte do imperador José II do Sacro Império Romano-Germânico. A famosa história de que Salieri teria envenenado Mozart é totalmente falsa — na verdade, Salieri desfrutava de uma carreira estável e bem-sucedida, o que poderia até despertar inveja em Mozart. Essa lenda foi popularizada pela ópera Mozart e Salieri (1897), do russo Nikolai Rimsky-Korsakov (1897), perpetuando a rivalidade entre os dois compositores; e, mais recentemente, pelo filme Amadeus (1984), de Miloš Forman, que dramatizou o mito e ajudou a fixá-lo no imaginário popular.

3. Luigi Russolo vs. J. S. Bach (0-1)

O compositor futurista Luigi Russolo, para surpresa geral (na verdade, não foi tão imprevisível assim), abriu a partida de modo pouco comum, utilizando a Abertura Grob. “Meu objetivo foi o de questionar o que se entende por xadrez”, ele disse à imprensa, pós-partida. Notamos que, ao ver esse lance inicial, Bach ficou escandalizado, acostumado que está às regras da composição — o que aparentemente influenciou seu estilo como enxadrista. Com precisão e harmonia matemáticas, ele colocou Russolo em uma rede de mate. Este tentou uma fuga, mas não conseguiu.

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Apesar de nunca ter viajado para fora da Alemanha, Bach sintetizou toda a música produzida na Europa antes dele. O gênio do barroco compôs: suítes (conjuntos de danças a serem tocadas em sequência); cantatas (obras para datas comemorativas do calendário religioso — Bach era luterano —, com solistas vocais, coro e orquestra, incorporando características da ópera); Compôs também cantatas profanas, como a Cantata do Café (1734), em homenagem à bebida que tanto apreciava; Escreveu Paixões (obras para a Semana Santa contando a vida de Jesus Cristo, de acordo com os Evangelhos); Concertos, como os de Brandemburgo (1721), nos quais fez combinações inéditas de instrumentos; Também aperfeiçoou a técnica para instrumentos de teclas, como o cravo, para o qual compôs O Cravo Bem-Temperado, composto por 48 peças, entre prelúdios e fugas, divididas em dois livros, abrangendo todas as tonalidades, maiores e menores, e demonstrando, dessa forma, a capacidade do temperamento igual.

Apesar de toda a sua profundidade, que levou Beethoven, séculos depois, a dizer que Bach (“Riacho”, em alemão) devia ser chamado de Ozean (“Oceano”, em alemão), o mestre do Barroco, depois de sua morte, permaneceu por muito tempo subestimado, até que o também alemão Felix Mendelssohn, no século XIX, regeu uma apresentação da Paixão segundo São Mateus, trazendo Bach de volta à fama.


Bem menos ortodoxo foi Luigi Russolo, compositor italiano ligado ao Futurismo, movimento artístico que exaltava a modernidade e os sons das cidades industriais. Para ele, a música precisava ir além das notas tradicionais e incorporar buzinas, motores, engrenagens e barulhos cotidianos. Para isso, criou os intonarumori, instrumentos capazes de reproduzir sons mecânicos, transformando-os em material musical. Com suas ideias, Russolo ampliou radicalmente o conceito de música, influenciando gerações de artistas experimentais e abrindo caminho para a música concreta e eletrônica.

Esperamos que as partidas tenham dado mais vontade de escutar música clássica! Se for o caso, uma pesquisa no YouTube é suficiente (fiquei com preguiça de colocar links aqui...). Obrigado pela leitura e até o próximo campeonato bizarro!

— estdx, para o Chess.com.

Sugestão de leitura: Pequena viagem pelo mundo da música, de Cynthia Gusmão.

Bem-vindo ao meu Blog! Aqui, você encontrará principalmente resenhas de livros sobre xadrez.

Eventualmente, alguns posts sobre curiosidades e história do xadrez serão publicados também!

Billy