Xadrez e Matemática (Parte I)
O Passeio do Cavalo

Xadrez e Matemática (Parte I)

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Matemática e Xadrez compartilham vários aspectos, como o uso intenso do raciocínio lógico. Neste post, trago exemplos famosos de problemas relacionando xadrez e matemática que ocuparam algumas das mentes mais brilhantes da história.

Sumário do Artigo

  1. O Problema das Trocas dos Cavalos
  2. O Tabuleiro de Xadrez Mutilado
  3. Um Cálculo Surpreendente
  4. O Passeio do Cavalo
  5. O Problema das Oito Damas

1. O Problema das Trocas dos Cavalos

Observe os tabuleiros 3x3 abaixo. Você consegue mover os cavalos do tabuleiro (a) para chegar na posição do tabuleiro (b)? Pode fazer quantos lances precisar!


E aí, tentou?

Se tiver tentado por muito tempo, espero que um dia me perdoe: o desafio apresentado é impossível. Eis o motivo.

Vamos começar enumerando cada casa do tabuleiro 3x3 com um número de 1 a 9, como mostra o diagrama a seguir.

Em seguida, como um cavalo na casa 1 pode saltar para as casas 6 ou 8, vamos representar isso fazendo um esquema ligando o número 1 aos números 6 e 8.

Continuando a ligar o número de uma casa com os números das outras casas para as quais um cavalo pode saltar, chegamos ao seguinte resultado:


Note que o número 5, que representa a casa central do tabuleiro 3x3, ficou isolado, pois é impossível qualquer um de nossos quatro cavalos pisar nessa casa a partir de outra casa do tabuleiro 3x3.

Agora, vamos incluir os dois cavalos brancos e os dois cavalos pretos no nosso esquema, em suas respectivas casas (ou, melhor dizendo, em seus respectivos números) iniciais:

No esquema acima, cada cavalo só pode se movimentar para um número adjacente ao qual ele se encontra, e dois cavalos nunca podem ocupar o mesmo número (pois isso equivale a dois cavalos ocuparem a mesma casa no tabuleiro 3x3). Lembrando que o problema inicial era o de trocar os cavalos de 3 e de 9 de posição, com o esquema acima, fica fácil de perceber que o problema é impossível, pois se o cavalo branco de 3 se mover no sentido anti-horário, uma hora ele esbarrará no cavalo preto, e se se mover no sentido horário, uma hora esbarrará no outro cavalo branco. O mesmo vale para os outros cavalos, cada um está preso entre outros dois cavalos!

2. O Tabuleiro de Xadrez Mutilado

Considere o tabuleiro de xadrez abaixo, onde duas casas foram removidas.

Você consegue cobrir totalmente esse tabuleiro com peças de dominó? Cada peça cobre exatamente duas casas, na horizontal ou na vertical, mas não pode haver peças sobrepostas e nem peças parcialmente fora do tabuleiro.

Você pode tentar resolver esse problema desenhando, num papel, o tabuleiro sem as duas casas que foram removidas e fazendo traços para representar as peças de dominó. Algo desse tipo:


(No caso, essa minha tentativa não deu certo, mas talvez você tenha mais sorte…)

Caso já tenha tentado resolver o problema por tempo suficiente, chegou a hora da verdade.

O problema anterior, da troca dos cavalos, deve ter deixado no ar um cheirinho de problema sem solução também para este problema dos dominós. E é isso mesmo: é impossível cobrir o tabuleiro de xadrez mutilado com peças de dominó!

Eis uma forma de se convencer disso.

Como sabemos, o tabuleiro de xadrez original, 8x8, possui 64 casas, das quais 32 são pretas e 32 são brancas. No tabuleiro mutilado, foram removidas duas casas, e de que cor eram essas casas?

Eram brancas! Portanto, o tabuleiro mutilado ficou com 32 casas pretas e 30 casas brancas.

Agora, note que uma peça de dominó cobre sempre duas casas vizinhas do tabuleiro, seja na vertical, seja na horizontal. Como as duas casas cobertas por uma peça são vizinhas, elas sempre terão cores diferentes, uma preta e outra branca. Logo, não importa quantas peças de dominó coloquemos sobre o tabuleiro, o número de casas pretas cobertas sempre será igual ao número de casas brancas cobertas. Portanto, é impossível cobrir 32 casas pretas e 30 casas brancas ao mesmo tempo. Simples assim!

3. Um Cálculo Surpreendente

Vários matemáticos também foram apreciadores do xadrez. Por exemplo, Emanuel Lasker e Max Euwe, além de campeões mundiais, também foram doutores em matemática. A capacidade de cálculo deles devia ser fenomenal, tanto dentro quanto fora dos tabuleiros!

Nesta seção, vamos ver alguns cálculos interessantes que exemplificam a complexidade do xadrez.

Para começar, responda: Quantos lances possíveis as brancas podem fazer no seu primeiro movimento?

Cada um dos oito peões pode mover uma ou duas casas (o que dá 16 lances), e cada um dos dois cavalos, na posição inicial, tem duas casas para ir (o que dá 4 lances). No total, são 16 + 4 = 20 lances.

Quantas posições possíveis podem surgir após o primeiro lance das brancas e o primeiro lance das pretas?

Bem, são 20 escolhas possíveis para as brancas e 20 para as pretas. Para calcular o total de posições possíveis após o primeiro lance das brancas e o primeiro das pretas, temos de multiplicar 20 vezes 20, o que dá 400 posições.

Após dois lances de cada jogador, o número de posições possíveis é 197.281(!) --- a exclamação entre parêntesis é para não confundir com fatorial, que é um símbolo matemático com um significado específico.

E após 6 lances de ambos os lados, o total de posições possíveis é 62.854.969.236.701.747, ou seja, mais de 62 quatrilhões. E o número continua crescendo absurdamente!

Fonte: App Magnus Trainer (saiba mais sobre apps para aprender xadrez clicando aqui).

4. O Passeio do Cavalo

Eis um problema que ocupou o famoso matemático suíço Leonhard Euler (1707-1783), considerado por muitos como o matemático mais produtivo de todos os tempos, devido ao enorme volume de trabalhos originais publicados.

Mesmo depois de perder a visão devido à catarata, Euler não parou de escrever sobre matemática e alguns dizem que ficou até mais produtivo!

O problema que Euler estudou foi o seguinte: É possível um cavalo fazer um tour em um tabuleiro de xadrez vazio, passando uma vez em cada casa do tabuleiro e sem passar duas vezes pela mesma casa?

O problema já era conhecido, e foi resolvido, pelo matemático árabe do século IX Abu Zakariya Yahya ben Ibrahim al-Hakim. Mas Euler foi o primeiro a fazer uma análise matemática do problema, no século XVIII. No mesmo século, uma solução foi encontrada pelo Turco, uma suposta máquina de xadrez (saiba mais sobre ela clicando aqui). Mais tarde, foi descoberto um algoritmo para resolver esse problema, conhecido como algoritmo de Warnsdorff, que consiste, resumidamente, em sempre escolher a casa a partir da qual o cavalo terá menos opções para continuar seu passeio. Por exemplo, no diagrama abaixo, onde o cavalo começou seu passeio em b4, os números no tabuleiro indicam quantas casas o cavalo terá para ir a partir da casa onde o número está escrito. De acordo com o algoritmo de Warnsdorff, deve ser escolhida a casa a2 para continuar o passeio.

Com o surgimento dos computadores (de verdade), programadores descobriram que existe uma quantidade gigante de soluções para o passeio do cavalo.

Abaixo, uma solução onde os números indicam a ordem das casas visitadas pelo cavalo. Essa solução tem algo a mais que a torna especial: ela forma um quadrado mágico, também conhecido como quadrado latino, pois a soma dos números em cada fila e em cada coluna é constante (Quanto vale essa constante? A soma dos números de 1 a 64, dividida por 8). Os quadrados latinos também foram estudados por Euler!



5. O Problema das Oito Damas

Este desafio consiste em colocar oito damas de mesma cor em um tabuleiro de xadrez convencional, de modo que não haja duas damas se ameaçando (ou seja, na mesma fila, na mesma coluna ou na mesma diagonal --- é claro que damas de mesma cor não se ameaçam, mas neste problema as oito damas são consideradas inimigas umas das outras).

Esse problema pode ser resolvido por meio de um algoritmo chamado backtracking, que consiste em começar colocando uma dama em qualquer casa da primeira fila, depois uma dama em uma casa da segunda fila que não esteja ameaçada pela dama anterior, depois uma dama em uma casa da terceira fila que não esteja ameaçada por nenhuma das damas anteriores, e assim por diante. 

Sempre que se chegar a uma fila sem nenhuma casa disponível para colocar uma dama, deve-se voltar à fila anterior, trocar a dama dessa fila de lugar e seguir a tentativa. 

Caso se chegue a uma fila sem casa disponível e a dama da fila anterior também não tiver outra casa para ser colocada, deve-se voltar mais uma fila, trocar a dama dessa fila de lugar e então seguir a tentativa.

Obviamente, durante todo o processo, não se deve repetir tentativas que já deram errado.

O backtracking, embora possa demorar, sempre chega em uma solução para o problema das oito rainhas.

Abaixo, um exemplo de solução --- a única simétrica, a menos de rotações e reflexões.

Bem-vindo ao meu Blog! Aqui, você encontrará principalmente resenhas de livros sobre xadrez.

Eventualmente, alguns posts sobre curiosidades e história do xadrez serão publicados também!

Billy