FIDE elimina a regra dos 400 pontos para jogadores com rating acima de 2650, "motivada por Nakamura"
A Federação Internacional de Xadrez (FIDE) anunciou uma mudança em seus regulamentos de rating que já entrará em vigor em 1º de outubro, eliminando a chamada regra dos 400 pontos para jogadores com rating acima de 2650. A alteração foi motivada pela corrida do GM Hikaru Nakamura para se classificar ao Torneio de Candidatos, mas afetará cerca de 70 dos principais grandes mestres do mundo.
O sistema de rating da FIDE continua sendo um tema amplamente debatido no mundo do xadrez. Hoje, a entidade que governa o esporte anunciou uma mudança significativa, destinada a combater o que é conhecido como farming (coleta de pontos) entre os jogadores de elite. Segundo a FIDE, a decisão final foi tomada pelo Conselho da entidade após proposta do Comitê de Qualificação.
"Essa emenda garante que os ajustes de rating no mais alto nível reflitam com precisão o desempenho de um jogador contra um grupo de adversários estatisticamente equivalentes, preservando os padrões profissionais estabelecidos pela FIDE", disseram em comunicado.
♟ The FIDE Council has approved the amendments to the Rating Regulations, effective as of 1st of October, following the proposal from the Qualification Commission.
— International Chess Federation (@FIDE_chess) September 29, 2025
The amendment is designed to ensure the fairness and integrity of the FIDE rating system and provide a… pic.twitter.com/H312yMixWv
Desde a última mudança em 2024, um jogador nunca era considerado como tendo mais de 400 pontos de rating a mais do que seu oponente. Isso significava que um jogador de elite podia ganhar o mínimo de 0,8 pontos de rating por cada vitória contra adversários significativamente mais fracos.
Pela nova regra, a diferença completa de rating será sempre aplicada para jogadores com rating acima de 2650. Em vez de um ganho de 0,8 ponto por vitória, a expectativa de pontuação deles agora pode chegar a 99%, o que equivale a um ganho de 0,1 ponto de rating, ou a 100%, sem qualquer ganho de pontos quando a diferença de rating for superior a 735 pontos.
Em outras palavras: para os melhores jogadores, as partidas contra adversários com rating muito inferior serão agora praticamente "sem ganho de rating" em caso de vitória, mas extremamente punitivas em caso de empate ou derrota.
O momento da mudança levantou questionamentos, já que ela ocorre apenas algumas semanas depois de Nakamura ter ganho nove pontos de rating em suas 11 vitórias contra jogadores com rating a partir de 1800, no Iowa Open e no Campeonato Estadual da Louisiana, neste mês.
O número dois do mundo tem participado de torneios que ele próprio descreveu como "Mickey Mouse" — eventos considerados fracos ou pouco competitivos — para garantir as 40 partidas clássicas exigidas e, assim, se qualificar para a vaga por rating no Torneio de Candidatos da FIDE de 2026.
Críticos observaram que isso permitiu ao jogador de 37 anos reduzir a distância para o GM Magnus Carlsen no ranking mundial e atingir um novo recorde de rating, sem enfrentar adversários de alto nível — ou seja, sem jogar contra grandes mestres ou competidores do mesmo nível que ele.
O próprio Carlsen comentou durante o programa Take Take Take no início deste mês, brincando que a estratégia de seu rival é "totalmente cara de pau", mas "provavelmente a coisa certa a se fazer". Ele acrescentou: "Parece que o sistema poderia passar por alguns ajustes."
Carlsen on Nakamura's Candidates run:
— chess24 (@chess24com) September 9, 2025
"I kind of admire the way he's going about it because it's so shameless... it's the pragmatic and probably the right thing to do."
"It looks like it's a system that could do with some fixing, but I'm not part of that s*** anymore." pic.twitter.com/ZnJZVpxSAF
O CEO da FIDE, GM Emil Sutovsky, foi direto sobre as intenções da mudança.
"Chega de farmar", ele escreveu em um tweet, acrescentando: "Se você é um jogador com mais de 2650 de rating, prove sua habilidade contra adversários de força comparável. Por que 2650? É um nível entre os 100 melhores do mundo, e esses jogadores raramente enfrentam oponentes de rating baixo. Enquanto isso, por exemplo, grandes mestres com 2500 a 2650 jogam principalmente em grandes abertos, e eles não devem ser prejudicados pelas novas regras."
Chega de farmar.
—Emil Sutovsky
O CEO da FIDE, mais tarde, complementou em outro tweet, confirmando que Nakamura "foi o estopim" para a mudança na regra.
Just to be clear.
— Emilchess (@EmilSutovsky) September 29, 2025
The rule is not about Hikaru. He did trigger it, but when we started to dig, it turned out there were at least five players more of 2650+ level who, in 2024-25 regularly played events with a string of very low-rated opponents, abusing 400-points rule.
It was…
Nem todos estão convencidos com a súbita mudança nas regras da FIDE. O GM David Howell classificou a reforma como "curta e equivocada" em resposta aos tweets de Sutovsky:
Muito curta visão. Farmar nunca foi um grande problema, e essa manipulação artificial do sistema de rating (escolher um ponto de corte aleatório por conveniência) gera consequências negativas muito piores.
Em vários tweets subsequentes, Howell argumentou que a FIDE diagnosticou mal o problema e "chamou os bombeiros para apagar uma vela acesa".
Punir todo o ecossistema por causa das escolhas de um único jogador parece, no mínimo, injusto. Ironicamente, os grandes jogadores serão os menos afetados. O impacto negativo recairá principalmente sobre aqueles que dependem de torneios abertos para viver, que acabarão perdendo pontos ou se afastando por completo.
This can be solved by a simple rule, specific to Candidates qualification, stating a minimum average of opponents' ratings. FIDE's announcement doesn't look at the bigger picture. They're punishing players lower down and negatively impacting the whole ecosystem.
— David Howell (@DavidHowellGM) September 29, 2025
Embora a mudança no rating provavelmente não afete a verdadeira prioridade de Nakamura, que é se classificar para o Torneio de Candidatos garantindo as 40 partidas exigidas, o risco agora será bem maior. Uma derrota, ou até mesmo um empate, terá um custo mais alto, já que a diferença completa de rating será aplicada, e os ganhos de 0,8 ponto não compensarão os pontos perdidos.
Sutovsky acrescentou que a FIDE também está estudando formas de ajustar as regras relacionadas à inatividade. Uma das medidas discutidas é o "declínio de rating", em que o rating cai gradualmente caso o jogador fique inativo. A sugestão foi bem recebida pelo GM Hans Niemann.
Chess desperately needs some form of rating decay for a multitude of reasons:
— Hans Niemann (@HansMokeNiemann) September 29, 2025
1: Top players can maintain their ranking with very few games per year, preventing up and coming players from challenging them. Making it easier for them to blacklist players like myself.
2: Rating… https://t.co/GCTcUgI850
A mudança ocorre apenas 18 meses após a FIDE ter feito alterações significativas nos regulamentos de rating. Em março de 2024, a FIDE ajustou o rating de 350 mil jogadores com pontuação abaixo de 2000 e restaurou a regra dos 400 pontos para todas as partidas, em um esforço para combater a deflação de rating e melhorar a precisão do sistema.