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Xadrez: O Peão.

Xadrez: O Peão.

Ulquir
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Esse é o primeiro post dentro desse blog de xadrez, então o começarei me apresentando. Meu nick aqui no chess.com é Ulquir e gosto de pensar em mim mesmo como um jogador mediano, nada além disso. Minha história com a prática séria do xadrez é bem curta e o seu início recente. Ainda a alguns meses atrás eu não possuía qualquer conhecimento teórico e pouca, ou nenhuma, visão tática. O jogo não passava de algo cujas regras (as mais básicas) eu sempre soube. Então, no começo de 2013, por tédio, resolvi aprender a jogar de verdade, e descobrir qual meu verdadeiro potencial - sem a pretensão de me tornar um mestre, é claro. Dessa forma, esse blog será o resultado dos meus estudos. Aqui compilarei todas as informações que encontrar sobre todas as dúvidas que vier a ter, para não perder, com o passar do tempo, o conhecimento que adquirir. Se alguém estiver aprendendo a jogar, sinta-se livre para usar esse espaço em seu proveito e falar comigo, caso tenha alguma dificuldade. Grande abraço a todos.

O jogo de xadrez pertence à mesma família do Xiangqi (xadrez chinês, ou xadrez elefante - jogo praticado na China com algumas características em comum com o xadrez, com uma jogabilidade extremamente diferente entretanto) e do Shogi (versão japonesa do xadrez, em que o objetivo é o mesmo do xadrez ocidental, capturar o rei inimigo, porém com diferenças quanto às peças e o tabuleiro), sendo que todos se originam de um ancestral em comum, o Chaturanga, que provavelmente era praticado na Índia por volta do século VII depois de Cristo. A forma de xadrez que praticamos, o xadrez ocidental, evoluiu de suas origens indianas no sudoeste europeu, sendo difundido como um jogo de nobres intelectuais, por exigir uma grande capacidade de raciocínio de seus praticantes e demandar gasto de tempo com o estudo de suas estratégias fundamentais, exigências incabíveis à plebe européia da Idade Média.

Em sua atual composição, o xadrez é basicamente uma disputa de estratégia e tática, em que dois exércitos rivais se confrontam com o intuito de capturar o rei inimigo. Nesse cenário, pode-se dizer que o xadrezista, ou enxadrista (ambas denominações corretas às pessoas que jogam xadrez), age como o comandante em chefe de uma dessas forças. O correto desenvolvimento de uma partida depende da observância de numerosas regras, algumas simples e outras complexas. Tentarei estudá-las todas, e apresentá-las da maneira mais didática possível.

Os jogadores devem ter em mente, sempre que forem jogar uma partida ao vivo, qual a correta distribuição das peças no tabuleiro. Começa-se o jogo sempre, tal como mostrado no diagrama ao lado, com as rainhas nas casas de suas respectivas cores - rainha branca na casa branca e rainha preta na casa preta, e com o tabuleiro posicionado de tal forma que a ultima casa à direita de ambos os jogadores seja uma casa branca. As peças brancas sempre são as primeiras a jogar e detém a iniciativa na primeira fase do jogo, a fase das aberturas, de tal forma que, em jogos de alto nível, é dito que o jogador que controla as peças brancas possui uma pequena vantagem.


Peões:

Os peões (pawns em inglês) são as peças mais numerosas no tabuleiro no início de uma partida. As oito unidades das peças brancas ficam dispostas na fila 2 (a2, b2, c2,...,h2), enquanto que no caso das peças pretas caberá a fila 7 aos peões (a7, b7, c7,...,h7), de tal maneira que haverá um peão logo a frente de todas as demais peças. O peão poderá ser nomeado de acordo com a sua coluna - peão da coluna c ou peão c simplesmente; ou de acordo com a peça que o antecede originariamente - peão do rei, peão da rainha etc.

Os peões, historicamente, representam da massa de soldados do exército. Eles estão na base da pirâmide hierárquica, com poucas habilidades e muitas limitações. Porém, paradoxalmente, são as únicas unidades insubstituíveis (além do rei).

Na primeira jogada de qualquer peão, quando ele ainda estiver em sua casa inicial, pode-se andar uma ou duas posições. Após ser usado alguma vez, o peão só poderá andar uma casa por vez e não poderá recuar, sendo a única peça com essa limitação. O peão apenas faz a tomada de peças que estiverem posicionadas uma casa adiante na diagonal. Ou seja, a única forma de um peão abandonar sua coluna original é através da captura.

Promoção: Ao atinjir a última casa da coluna o peão possui a prerrogativa de ser promovido, ou coroado, situação na qual será trocado por qualquer outro tipo de peça com exclusão do rei. Essa jogada em inglês também recebe o nome de queening, uma variação da palavra queen - rainha em português, pois na grande maioria dos casos os jogadores escolherão trocar o peão por uma rainha, uma vez que é a peça materialmente mais forte do jogo, a que possui mais recursos, cumprindo qualquer função que um bispo ou uma torre possam cumprir. Obviamente, poderão ocorrer situações em que a escolha por uma peça menor (cavalo ou bispo) ou uma torre será necessária, ou simplesmente vantajosa. O jogador poderá trocar seu peão por uma rainha mesmo no caso de sua rainha inicial ainda estar no jogo, de tal forma que, em teoria, pode-se ter, simultâneamente, nove rainhas jogando para um dos lados em uma partida.

 

O "en passant": Expressão em francês que pode ser traduzida para o português como passagem ou na passada. É algo que acontece com dois peões adversários em uma determinada situação bem detalhada, em que um peão poderá capturar outro peão que estiver ao seu lado e não à sua diagonal. Pode-se usar o "en passant" sempre que o adversário retirar um peão da posição inicial, movê-lo duas casas adiante, e posicioná-lo ao lado de um peão da cor oposta. Trata-se de um movimento que fornece a possibilidade de se considerar que o peão oponente foi movido apenas por uma casa e não duas, e dessa forma fazer a captura como se ele estivesse logo na diagonal, tal qual demonstrado no exemplo abaixo. O en passant  deve ser feito na jogada imediatamente seguinte à jogada que levou o peão adversário duas casas adiante, não se pode guardar o en passant para uso posterior.
  • Peão isolado: Um peão sem peões aliados nas colunas adjacentes é um peão isolado. O peão isolado é uma peça fraca não só por não conseguir a proteção de outro peão, como também por poder ser facilmente bloqueado por qualquer peça que seja colocada a sua frente. Os peões são fortes em conjunto, quando se pode fazer uma corrente com eles, de formas que todos fiquem seguros.
  • Peão passado: Um peão que não possa ser bloqueado ou capturado no seu caminho para a promoção é um peão passado. Muitas vezes, esse conceito é relativizado para denominar um peão que não possui mais um peão adversário na sua coluna, porém esse não é o uso correto, uma vez que essa expressão é usada para demonstrar a força tática dessa peça que possui grandes chances de evoluir em outra de maior força material.
  • Peão dobrado: Quando dois peãos ocupam a mesma coluna, em razão de uma captura anterior, dá-se a eles o nome de peões dobrados (e cada um deles é um peão dobrado). O peão dobrado é uma peça essencialmente frágil e fraca, pois não possui o peão ao lado para o proteger e o peão mais a frente bloqueia o desenvolvimento do outro peão. Obviamente, circunstâncias desfavoráveis dentro do jogo pode obrigar um jogador a cair nessa situação. O importante é ter em mente que não é bom criar peões dobrados desnecessariamente.
Nos jogos a seguir as situações explicadas aqui serão mostradas na prática. No segundo jogo eu sou o jogador das peças pretas em uma partida de 10 minutos.
Curiosidade: No xadrez medieval, em uma tentativa de deixar essas peças mais interessantes, foram dados nomes aos peões de ocupações comuns à época. No tabuleiro, da esquerda para a direita, os títulos eram:
  1. Jogador, trapaceiro (gambler). Provavelmente por estar na região mais a esquerda do tabuleiro.
  2. Guarda da cidade ou policial (city guard or policeman). Por estar em frente a um "knight", cuja classe era responsável pelo treino dos guardas.
  3. Estalajeiro (innkeeper).
  4. Doutor (doctor). Em frente a rainha.
  5. Mercador (merchant/moneychanger). Em frente ao rei.
  6. Sacristão (Clerk). Por estar em frente ao bispo do rei.
  7. Ferreiro (Blacksmith). Título que também se relaciona com o cavaleiro.
  8. Fazendeiro (farmer). Uma vez que essa classe trabalhava em frente ao castelo.


O Operário Em Construção

Vinicius De Moraes

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.